Arte, Tradição e Espiritualidade dentro do Bonsai.

Acho que pelo menos uma vez ao mês, devo permitir-me ao luxo de divagar. Para utilizar uma expressão mais sofisticada: "Deixar aos meus dedos filosofar um bocado" 

Podem ver neste link o meu primeiro artigo filosófico Mas afinal o que é Bonsai?

E Bonsai nos permite fazer estes textos com alguma frequência. Espero que com isto possa abrir a mente a muitos. A vida não precisa de ser apenas uma sequencia de informações e objetos. Nem deve ser um saco repleto de emoções desorganizadas. O equilíbrio é o busílis de uma boa vida!


Já que quero falar sobre arte, desejaria citar o prefácio de um livro de Daisetz T. Suzuki: 

“No Japão, uma arte não é estudada por amor à arte, mas para receber a iluminação espiritual que pode dar. Se a arte se limitar à dimensão externa, se não levar ao mais profundo e essencial, ou seja, se não assumir uma forma de espiritualidade, os japoneses não vão considerá-la digna de estudo ”  

Gusty Herrigel - "Zen e a arte de arranjar flores" 

 Acredito que este texto possa, de forma extremamente clara, definir o pensamento japonês em relação à arte tradicional. Considerar o Bonsai como uma forma de arte, como outras grandes expressões artísticas ocidentais, como pintura, escultura, música, poesia etc, priva-o de seu verdadeiro significado. Ele tem algo mais no seu interior.

Cultivar as nossas árvores não deveria ter como objetivo criar uma obra de arte (às vezes pode se tornar a consequência), mas permitir que aqueles que praticam essa disciplina de acordo com a tradição se aprimorem. Quero com isto dizer, que não é  apenas a árvore a ser desenvolvida, mas também o seu criador.

A beleza do bonsai e o seu valor, não apenas econômico, dependem da habilidade e do empenho do artista em bonsai no uso de três elementos (as trilogias são muito usadas na tradição japonesa): 

Mãos, Cabeça e Coração.

A destreza é muito importante no cultivo e nos diferentes momentos da formação do bonsai, assim como o conhecimento da estética e das técnicas para a realização das diferentes intervenções, mas é a relação emocional que se estabelece com a planta que permite o desenvolvimento e a satisfação. Transmitindo verdadeiras emoções a quem o cultiva e a quem o admira. 



Nesse processo, o bonsaista terá que ajudar a árvore a expressar a sua personalidade, mas sabendo de antemão que o bonsai é o protagonista, nunca o artista

No Japão tradicional, o conceito de arte é interpretado de forma diferente do nosso mundo, pois a finalidade para a qual uma arte tradicional é praticada está ligada a uma busca interna e não apenas a uma busca expressiva.

Através da prática, a pessoa tenta aperfeiçoar-se e a arte assume as características de uma disciplina.

Além disso, a inovação, fundamental para a arte no Ocidente, da qual o artista é criador e protagonista, não representa um objetivo relevante para as culturas orientais. 

No arco e flecha "kyu-doo", o arco, as flechas e o sistema pelo qual o arqueiro saca a arma e atira a flecha permanece praticamente igual há centenas de anos. O fundamental nesta atividade não é acertar o alvo, mas adquirir autoconsciência e domínio e, assim, também será inevitável não falhar o tiro. 



Na caligrafia "Sho-doo", o calígrafo moderno, antes de realizar o seu trabalho, costuma consultar textos antigos para estudar como os grandes mestres chineses e japoneses do passado escreveram os mesmos caracteres. Esta atenção à tradição é repetida na cerimônia do chá "Chanoyu" e nas formas poéticas "Waka" e "Haiku", etc.

O produto do trabalho do bonsai às vezes pode atingir níveis tão altos que pode ser considerado uma obra de arte, mas isso não deve desviar nossa atenção do motivo pelo qual praticamos o bonsai. A felicidade interna. E como tal, devemos retirar satisfação do caminho e não do destino final.





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